
Estado alterado de consciência provocado
Horário: 17h45-domingo
Data: 04/01/2004
Técnica utilizada: psilocibina (Ingestão de quatro cogumelos psicoativo de cinco centímetros do gênero “Stropharia cubensis”).
INTENSIDADE
Talvez, seria o termo adequado de analogia para fazer referencia à experiência extra-sensorial obtida através da ingestão do cogumelo psicoativo do gênero Stropharia Cubensis, contendo a Psilocibina.
Às 19h45 do domingo (Horário de verão), ingeri quatro cogumelos pequenos, cada qual com cinco centímetros de comprimentos e o chapéu com três centímetros. Ingeri em pares de dois, sendo que esperei dez minutos antes de comer os outros seguintes. Após ter mastigado bastante até senti-los como uma sopa em minha boca, engoli-os sem cerimônia. Não foi difícil, achei o gosto até agradável!
Depois de quinze minutos, comecei a sentir pequenas alterações nas pálpebras dos olhos e um certo relaxamento físico. Resolvi guardar o livro que estava lendo, porque as linhas já pareciam fazer curvas, como ondas do mar.
Trinta minutos tinham se passado desde então, já eram 20h15 da noite, tempo suficiente para que o efeito se fizesse presente – Ansiava por sentir que a psilocibina diluísse minha percepção tridimensional e mundana da vida diária.
E foi o que aconteceu!
Meu corpo passou a entrar em um estado de completo relaxamento. Uma força que surgiu, não sei de onde, começou a massagear todo meu corpo, fazendo uma vontade imensa de rir me dominar. Parecia estar sendo torcido numa espécie de máquina de lavar invisível que me deixava mole e flexível como uma borracha.
Neste aspecto o efeito do cogumelo era muito similar à “borracheira” da Ayahuasca.
Logo uma avalanche de percepções psicodélicas e indescritíveis passou a comandar meus sentidos. Miríades de imagens multicoloridas e intensas, acompanhadas de um silêncio interior; formas geométricas perfeitas e brilhantes. A nitidez que a psilocibina me proporcionava era incrível! Minha mente estava cristalina. O cogumelo estava mexendo com partes insólitas de mim.
Fez-me lembrar da frase de Don Juan Matus, que dizia ser as plantas de poder professores que nos ensinam a forma certa de se viver, ou seja, quebram as barreiras perceptivas e nos escancara um mundo de energia que flui por todo universo e não apenas uma descrição de mundo tridimensional em que vivemos e que se acredita ser absolutamente feito apenas de objetos.
Quebrando barreiras perceptivas, desmoronamos a descrição de mundo e também o muro da percepção interior do nosso ser, começamos a dar passos para nos livrarmos dos condicionamentos e padrões de comportamentos sócio-familiares pré estabelecidos que nos ensinam a sermos rebanho e não guerreiros.
Minha experiência com o cogumelo mágico e medicinal em primeira instância foi um encontro com algo desconhecido em meu ser, mas que sempre existiu nos bastidores dos meus “eus” e, portanto, lembrava bem aquilo que Aldous Huxley brilhantemente definiu como os antípodas da mente.
Ao abrir-se a porta fiquei de frente para algo que luto e reluto em não querer mudar. Ao abrir-se a porta fiquei despido diante dos meus medos:
Inseguranças e ilusões infundadas, mas não menos reais; ausência de um rumo, uma direção ou um caminho com coração a seguir, talvez; saudável, justo e forte.
Abriu-se uma porta e presenciei um mundo caleidoscópio de intensas imagens cristalinas e geométricas, brilhantes e translúcidas. Eram velozes, umas sobrepostas à outras, surgiam e desapareciam no instante em que outras floresciam como o desabrochar gracioso das flores em uma velocidade aumentada de forma incrivelmente harmônica.
Ao observar a parede do meu quarto, este criou vida. Tornou-se uma forma esponjosa fluída como um elemento aquoso, movia-se sinuosamente, lembrando às vezes ondas. Depois se formou uma variação de figuras indefinidas, talvez pelo fato de estarem em constante movimento a sugerir formas e mais formas.
Depois de algum tempo nesse estado um medo começou a me abalar, na verdade seria mais um receio propriamente dito. Uma ideia veio a minha mente de que o efeito talvez não passaria nunca, por causa da velocidade e intensidade das visões.
Minha percepção visual foi extremamente atingida e pude testemunhar o movimento incessante das coisas ao meu redor por todas as direções. Enfim, por já estar bem afetado pela percepção direta e descomunal que parecia me engolir.
Lembrei-me da história que minha amiga Juli de Chapecó me contara, sobre um rapaz que se encheu com uma espécie de pasta feita a partir de cogumelos tóxicos ou psicoativos, em que ele, o rapaz, foi e não voltou, ou seja, talvez tenha desenvolvido algum tipo de esquizofrenia, sei lá.
Bem, eu já tinha me informado o suficiente sobre o uso dos cogumelos tradicionalmente nas culturas do México antigo, pelos xamãs siberianos e também tinha bom material didático sobre a psilocibina e outras triptaminas e mesmo uma experiência de dois anos com a ayahuasca.
Ainda sim, sentia que a viagem seria interminável, mesmo sendo agradável e impressionante.
Comecei a ter receios infundados, procurava sempre olhar para o relógio a fim de saber o tempo que prosseguira desde o momento da primeira percepção incomum. Já tinha se passado uma hora e meia. Parecia estar no ápice do efeito.
Resolvi sair do quarto e fui para a laje. Tudo sem exceção estava estupidamente descomunal, o céu imenso, parecia que a abóbada iria cair e seu peso já estava me pressionando para o chão. O efeito se prolongava e as imagens não paravam. Diferentemente da ayahuasca, com a qual as visões vêm e vão, no cogumelo elas são sempre contínuas, constantes, não tão potentes, mais obviamente intensas.
O mundo visionário de cores e formas geométricas prosseguiu tomando conta do meu campo de visão!
Logo a sensação de medo acentuou-se, e um receio surgiu na forma do próprio cogumelo que se apresentava entrelaçado nas formas geométricas que se estendiam por um túnel iridescente.
Sentia-me maravilhado e ao mesmo tempo inseguro. Às vezes, parecia mero medo irracional, ou o meu senso de racionalidade estava com medo de perder a sua capacidade analítica e lógica de avaliar e interpretar aquilo que só a razão era capaz. Razão esta que já estava muito restrita, diante da enxurrada de visões extáticas e percepções cristalinamente reais e geradoras de energia, que envolviam não apenas minha mente, mas todo meu corpo e ser.
Esse receio sempre me fazia lembrar da duração do efeito, ao mesmo tempo em que me deixava alerta perante um risco de me deixar envolver completamente pela lassidão da experiência; Isto, também me enchia de exagerada preocupação, transfigurando-a em estilhaços de sentimentos análogos que acabavam por desembarcarem em meu estado de espírito e emocional instável.
Duas horas já haviam se passado e o relaxamento em meu corpo persistia. As cores, as formas e a imensidão do céu tinham uma limpidez única, coincidiam com o presente, ou o aqui e agora da clareza cristalina que envolvia minha mente. Mente que carecia por querer se redimir, despir-se da máscara do ego que a qualquer momento poderia ser estilhaçada pela força e a pressão do mundo que fluía soberbo.
Uma máscara ilusória que cobria a minha vida.
Quis chorar...
Quis me entregar à força, como a uma criança. Prostrei-me de joelhos, aceitei minha pequenez, vi a grandeza num inseto. Senti-me como uma criança indefesa, que um dia perdeu seu escudo de proteção: a pureza e inocência de ser!
Pureza e inocência que tinham me proporcionado uma felicidade natural e uma alegria de viver que antes esquecera, na ingratidão à vida e o menosprezo para com a Mãe Terra. Percebi ter negligenciado a mim mesmo...
Tudo que o efeito da psilocibina desenterrava de mim, me levara à fria conclusão que algo estava errado em minha vida. Sentia que algo deveria ser feito, um caminho precisava ser trilhado ou feito com alegria e propósito.
Embora o cogumelo em momento algum me proporcionasse ânsias, quis vomitar e não consegui. Parecia que o que estava dentro de mim não queria sair (se é que tinha algo a sair).
Em seguida, tentei me conectar com a grande paineira (uma árvore que existe enfrente à casa dos meus pais), pude perfeitamente ver sua forma sutil. Uma Aura poderosa e vibrante cobria-lhe em todo seu esplendor. Ela irradiava diversas variações de cores, mas, não por ser iridescente e sim, por que nuances de uma única cor de tonalidade verde limão fosforescente se distribuía em camadas, uma atrás à outra.
Em seguida, minha visão deparou-se com uma faísca ou um pequeno feixe de luz sendo lançado de suas folhas. De imediato acreditei que fosse um vaga-lume, mas logo percebi outra faísca de cor verde limão fosforescente, subir rapidamente para o céu.
Depois, mais uma... E outra e mais...Por fim, percebi que da paineira irradiavam-se milhares de faíscas, semelhantes aos vaga–lumes, que eram expelidos de suas respectivas folhas que se apresentavam magnificamente verdes e vivas!
Um pensamento estranho passou em minha mente, que, teria que estar em um estado de espírito, muito próximo, aos das crianças, com pureza e inocência, para entrar em contato com um elfo ou elemental das árvores, infelizmente me sentia inapto. Sentia ter longa estrada a trilhar.
Em seguida, uma visão em túnel prende minha atenção, meu campo de visão foi dragado por ele e me maravilhei em observar todos os detalhes em tamanha velocidade. O túnel era fabuloso, dava-me à idéia de estar no interior de uma serpente ciborgue, feita de uma estrutura de cristal com cores altamente brilhantes e diáfanas. O túnel todo parecia autoconsciente. Havia diversas linhas e formas geométricas, que lembravam hieróglifos, registradas em cada espaço quadrado que formava o túnel e cada um deles detinha uma cor especifica, dando a impressão de um painel de controle de uma nave alienígena, contudo, sublimamente desenvolvido; límpido, cristalino e perfeito.
O interessante que, ao ter a visão, senti a mesma, segundos antes, numa pequena parte do meu pulso esquerdo, como uma pressão vibratória específica que se concentrou nessa região. Ficou claro para mim que a pressão indicava que àquela região estava captando uma onda de informação e, esta, foi em seguida transcodificada, ou interpretada através da visão extática posterior.
Ou seja, primeiramente meu corpo, percebeu a energia como informação e depois ela foi interpretada em termos visuais. Sentia que o corpo percebia primeiro a energia e tinha um conhecimento total dela e depois era transpassado para a informação em campo visual, para que enfim, a atenção ser completamente absorvida pela imagem e velocidade da onda de energia que se expressava em uma linguagem complexa e mais intrigante (para não dizer, estranha!) que já vi.
Quando voltei em mim, lembrei que o efeito continuava intenso e, acreditando que não passaria realmente, sentei encima da perna esquerda abraçando a direita contra o peito. Exercia sobre mim, uma pressão que parecia ser emanada da Terra (planeta) que, pressionava meus órgãos e meu corpo.
Sentia não poder suportar a magnitude de tudo. Então pedi ao Grande espírito para me manter sereno, depois para “Deus”, à Deusa e ao Senhor, para que pudesse me controlar ou que o efeito psicoativo passasse.
Nesse ínterim, começou a desmoronar a base de minhas crenças e, já não fazia distinções entre qualquer tradição, não me importava qualquer dogma.
Queria mandar tudo pras cucuias. Em um instante o que passou a fazer
sentido para mim, naquele momento, era de que a fé não poderia vir de idéias preconcebidas, e sim da convicção máxima de ver a energia diretamente.
E, talvez por estar sentindo as vibrações do mundo em meu corpo, todas as crenças se revelavam apenas como dogmas absolutistas e conceitos totalitários sem sentido algum. A única coisa que se apresentava verdadeira para mim, era a força, ou poder existente em todo universo que eu testemunhava.
Uma grandeza que o cogumelo me mostrava.
Uma força esmagadora.
Sentia-me um pássaro fora do ninho.
Uma voz interior me incentivava a parar de lutar comigo mesmo e a não resistir. A voz interior me dizia, sem palavras, para me entregar e aceitar o meu destino, então, foi quando senti as vibrações do mundo em meus músculos e órgãos internos; estomago, garganta, pescoço, fígado, pulmões etc.
Sentia tudo de forma incrivelmente deliciosa e macia, como estivesse sendo massageado por forças invisíveis.
Mas, ainda assim, não conseguia encarar a força lá fora. Senti imensa vontade de voltar para meu quarto. Deitaria em qualquer lugar, no estado em que me encontrava não me importava se tivesse que ficar no chão, lama ou cama, só importava que tinha que ficar deitado.
Voltei para o quarto.
Já tinham se passado três horas e a cores cristalinas e incessantes prosseguiam. Algo em mim dizia que eu estava sobre carregado de energias supérfluas e que só com uma avalanche de lágrimas poderia me purificar e libertar das amarras e ciladas que criara para mim mesmo.
Deitei-me na cama e olhei para a lâmpada acesa; dela se projetava para baixo uma espiral afunilada e iridescente. A espiral era estática e era idêntico a um desenho psicodélico que vi certa ocasião numa contra capa de um disco do Pink Floyd.
Em seguida, senti uma necessidade enorme de pegar meu maracá, ele estava incrivelmente belo, suas cores; verde, vermelha e amarela, estava mais viva do que nunca. Seus desenhos e formas apresentavam uma perfeição que antes eram impossíveis de serem notados.
Posicionei-o em meu chacra frontal, desejei entrar em contato com meu animal de poder.
De imediato um vórtice colorido apareceu, e na medida em que foi aumentando vi uma sombra se aproximando, correndo em minha direção.
Sabia que era um animal terrestre, de quatro patas, mas antes que pudesse estar diante de mim o túnel se desfez com o suposto animal.
Peguei o maracá e comecei a sacudi-lo para esquerda e direita de forma monótona. Logo, minha atenção ficou presa pelo ritmo do chocalho em seu movimento contínuo, então tive uma visão peculiar; começou a se formar uma imagem em três D do maracá.
O espetáculo era fabuloso.
Mesmo movendo-o vagarosamente, parecia estar em uma velocidade muito acima do normal, como a hélice de um helicóptero.
Continuei concentrado na visão hipnotizante que, por fim pareceu se transfigurar nas asas de uma enorme libélula. Mas, por algum motivo, não suportei a sensação estranha de perceber as coisas daquela forma e cessei o movimento do instrumento. Não queria ficar imerso na percepção das coisas em três D, embora fosse um angulo extremamente novo e fascinante, tinha receios de cair em aberrações desnecessárias.
Peguei o maracá e posicionei-o junto ao peito. De repente entrei em uma espécie de transe, senti uma vibração tomar conta do meu corpo e uma outra consciência que não era a minha se apresentou.
Num instante, sobrepôs ao meu, um outro corpo truculento; e de forte expressão. Logo, se fez notar, a imagem de um índio usando um cocar em forma de leque que se apresentava uno a mim.
Por algum motivo, ainda desconhecido, me senti indigno de me conectar com sua energia, ou pelo menos, talvez fosse isso que eu acreditasse no momento. Assim que liberei essa emoção a imagem e a energia se dissiparam.
Deitei-me na cama na posição de decúbito dorsal e deixei as visões fluírem por todo meu campo de visão.
Assim, vieram uma avalanche das mais indescritíveis formas geométricas, de cores brilhantemente vivas em ângulos dos mais intrigantes possíveis. Não tive medo delas, ao contrário, eram agradáveis e fascinantes. No entanto, era a duração do efeito que me preocupava e me impedia de me entregar totalmente a experiência, embora me fosse impossível controlar a avalanche das visões, a preocupação ainda era uma barreira.
Depois, seguiram-se complexas mandalas e gigantescos mosaicos translúcidos. Túneis e mais túneis apareciam um atrás do outro. Cada um único e peculiar em sua forma e cores.
Também surgiram perolas diáfanas e pétalas de flores cristalinas que apareciam para logo em seguida se desintegrarem instantaneamente numa velocidade incrível.
Dentre as várias visões, uma em especial, se aglutinou e ficou coeso por alguns segundos a mais, prendendo toda a minha atenção. Tratava-se de um colossal castelo vermelho-fogo, todo feito de um cristal incomparável. Suas torres cilindricamente perfeitas e translúcidas eram imensamente belas.
O castelo parecia uma moradia dos deuses ou demônios de uma outra dimensão. Tive certeza que poderia me aventurar em seus domínios, mas algo em mim dizia, que se entrasse, talvez não voltaria para contar história. Contudo, logo a visão do castelo de cristal se desintegrou a exemplo das outras, dando lugar a mais uma peculiar percepção.
Uma cachoeira fulgurante fluía em toda sua magnitude diante dos meus olhos.
Das águas reluzentes como prata, se destacavam nuances de um azul néon, enquanto brilhavam por toda sua extensão, milhares de luzes como pequenos diamantes.
No final do véu da cachoeira, vi transfigurarem-se diante de mim, quatro demônios alados fosforescentes, que se confundiam no reflexo da cristalina água. Eles, com suas faces geométricas e bizarras emergiram suas cabeças na minha direção, mostraram-me os seus dentes, ao esticarem suas patas com garras de leão para o chão.
Embora, tivessem fisionomias de crânio e orelhas pontiagudas como as dos gárgulas, não me metiam medo, ao contrário, admirava-os. Eram horrendos, mas, ainda assim, perfeitos como o diamante. Testemunhei-os com um senso de desprendimento incomum a mim.
Já tinham se passado três horas e meia e as cores e formas intrigantes que se apresentavam ainda eram muito vívidas.
Foi, então que decidi deixar a experiência me levar para onde quer que fosse sem me prender a preocupações mundanas. Nesse ínterim, veio-me à mente a lembrança de um lagarto de grande porte todo negro com bolinhas amarelas, que tinha presenciado dias antes na cidade de Chapecó (S.C), mas precisamente, em um clube paralelo as margens do rio Uruguai, no qual os pais de minha amiga Juli, serviam um almoço.
Fiquei admirado ao ver o lagarto que devia medir um metro da calda a cabeça, comer em bocadas, pedaços de carne que eram atiradas a ele.
Menos de um segundo depois a essa recordação, uma tela holográfica apareceu à poucos metros acima dos meus olhos. Nela, apareceram dois lagartos negros com bolinhas amarelas idênticos aos da lembrança.
O interessante era que os dois lagartos apreciam um embaixo do outro em posições opostas. Ou seja, o de cima estava com a cabeça próxima da calda do que estava em baixo, quase a mordendo e vise versa.
O mais estranho é que os lagartos negros estavam envoltos e entrelaçados por uma grande quantidade de cogumelos psicoativos!
Estava perplexo, pelo fato de que uma simples lembrança pudesse, menos de um segundo depois, desencadear uma visão tão clara e real como o próprio lagarto que vira dias antes.
Em seqüência, percebi duas paredes nevoadas escuras como uma sombra, uma de cada lado do meu corpo subindo até a altura da visão dos lagartos.
Subiu ondulantemente como se fosse uma cortina, fundindo-se à visão dos lagartos negros até tornarem-se uma só percepção! Os répteis não demoraram a devorar a cortina de sombra que subia até eles. Alimentavam-se vorazmente delas.
Ao testemunhar a cena, intuí que eles comiam partes de resíduos estagnados em meus órgãos, ou as energias supérfluas emanadas do meu corpo. Ao mesmo tempo, passei a captar uma energia em forma de fio luminoso quase transparente, brilhante como a prata em forma de oito na vertical. Esse fio luminoso tinha uns oitenta centímetros e pairava no ar com um movimento giratório, em seu próprio eixo, indo na direção norte, quase se fundindo com a parede.
Depois, de algum tempo, toda essa percepção se foi, do mesmo modo que chegou; vindo do nada e ao nada voltando.
Foi quando, me peguei olhando para as coisas no quarto com uma lucidez e sobriedade fora do normal. Sentia-me em uma espécie de consciência intensificada. Nesse estado tudo tinha sentido, tudo era explicável ao nível do conhecimento silencioso ou sem palavras.
Observei as paredes, verifiquei o quão nítidas estavam.
Direcionei minha atenção para os artefatos indígenas dependurados na parede:
A porta do Sol Tiwanaku, os colares, os machados de pedra, etc. Estavam todos lá, como antes; a despeito disso, eram diferentes. Nunca tinha percebido todos esses objetos como então os observava. Minha mente estava cristalina e pela primeira vez observei tudo ao redor do quarto com outros olhos.
Tudo tinha uma peculiaridade fora do comum. Os artefatos tinham poder! Tudo era igual e ao mesmo tempo, nada mais era como antes. Tudo era novo, claro e belo.
Fechei os olhos e me surpreendi porque podia ver os objetos, da mesma forma e tão claramente quanto de olhos abertos. Esse poder poderia me fascinar caso não fosse um estranho sentimento de desprendimento e falta de importância que me acompanhava.
O silêncio era total e avassalador!
Logo esse silêncio, que parecia ter saído das profundezas abissais, se apoderou de mim dominando-me por completo. Passei a sentir uma solidão incomensurável; indescritível e definitiva a golpear meu ser.
Não era nada parecido com estar sozinho ou sentir-se só; antes, era uma compreensão clara e direta de ser só!
Como se fosse um astronauta boiando em pleno universo sem nada a não ser o próprio Vazio-Noite!
Essa solidão era algo insuportável por ser óbvia e implacável. A vastidão da solidão que se abrira diante de mim era incognoscível e infinitamente mais real que os meus medos mais selvagens.
Tudo que queria ou precisava era de calor humano. Invoquei a lembranças de amigos íntimos, mas nem a recordação deles ou da minha família foi capaz de tirar-me da solidão infinda que se abateu sobre mim.
Diante do iceberg que me envolvia, uma visão em tela holográfica se apresentou a mim espontaneamente, sem que invocasse. Um portal se abriu e vi a imagem clara de minha amiga Juli, com a mais perfeita nitidez possível.
Não entendia por que ela aparecia, mas foi o suficiente para derreter a geleira que me encobria. Senti que podia me transportar até ela através do portal em um piscar de olhos, se assim eu intentasse, mas não me importava.
Sentia um alheamento perante qualquer façanha extra-sensorial.
Então o portal se fechou consumindo sua imagem. Comecei a me sentir melhor, dessa vez invoquei um sorriso e novamente o portal apareceu. Vi a imagem de uma outra amiga, fiquei feliz.
Contemplei o seu sorriso e me despedi!
Quase cinco horas já haviam se passado. Nada mais importava, estava tendo uma experiência única.
Vinte minutos depois, senti que o nível da intensidade do efeito diminuíra, me sentia mais confiante, não só pelo fato de que o efeito passaria, mas também porque saberia a quantidade adequada de psilocibina a ser administrada.
Dessa forma, tinha uma ideia de quantos cogumelos ingerir sem que passasse do ponto ou que se perdesse o efeito psicodélico proporcionado pelo mesmo.
Já passara da meia noite e meia e as sensações e inshigts prosseguiam, menos intensos, mas ainda bem claros e definidos.
Hora ou outra percebia alguns raios luminosos e formas geométricas sobrepostas. Sentia-me extremamente confortável, finalmente o efeito estava sobre controle, embora minha acuidade visual estivesse ainda apurada e colorida.
Resolvi descer até a cozinha da casa de minha Mãe. Encontre-a sentada à mesa. Tive uma conversa simples mas muito sincera com ela. Depois me despedi e subi para o quarto.
Fiquei rolando na cama até as 02h20 da madrugada; por mais que quisesse não conseguia dormir.
Continuei acordado por mais uma hora refletindo sobre a experiência até finalmente despencar no sono fisiológico!
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