quarta-feira, 27 de julho de 2011

Jornada Xamânica (O Vôo da Águia II)




Depois do trabalho de Lua cheia, que começou às 20h00 do dia 10/01/04 com seu término na manhã seguinte, o grupo que participaria da jornada xamânica foi convidado a se alojar em outro sítio, que ficava a alguns quilômetros da igreja Céu da Lua Cheia. A intenção era descansar, se alimentar e se preparar para a jornada, já que passamos a noite inteira na “força da Ayahuasca” e acordados.

trabalho tinha sido relativamente tranqüilo, cheguei a tomar seis ou mais copos de ayahuasca e me sentia bem.


E lá fomos nós: Adriana, Ig, eu e uma amiga que conhecemos no trabalho. 

Seguimos o Léo Artése e o grupo de carro pelas estradas de terra. É difícil de falar sobre os acontecimentos que se desenrolaram quando seguimos para o sítio. A vista da mata com seu verde vivo e exuberante, ofuscava nossos olhos despertos. Nesse estado de graça e contentamento é fácil rir de tudo, inclusive de si mesmo. 

Lá chegando, fomos logo estendendo os colchonetes. Incrível... A natureza, a mata atlântica exuberante, se mostrava aos meus olhos tão viva, cristalina e animada!

Dormimos, acordamos, comemos, conversamos e rimos até a hora de voltar para o Céu da Lua Cheia. Quando lá chegamos o Léo já estava preparando a roda da medicina com as 36 pedras falantes dentro do salão da “igreja”. O ambiente estava tão tranqüilo e calmo que resolvi tirar algumas fotos. 

Quando tudo estava aparentemente pronto, Léo começou a dar uma palestra sobre xamanismo e seus diversos aspectos como técnica arcaica de êxtase. 

Passava algumas instruções, inclusive sobre a “Inipi” (tenda do suor), que seria realizada às 20h00. 

Ele passou todas as instruções: o que devíamos e não devíamos fazer. Depois de muitos esclarecimentos sobre o xamanismo, o Léo nos instruiu a relaxar, porque iríamos treinar a prática do resgate do animal de poder, mas era só um treino, pois o verdadeiro resgate aconteceria no poder da Ayahuasca.

Léo começou a tocar o tambor xamânico e todos se acomodaram da melhor forma possível. Procurei visualizar (como o próprio Léo recomendara) um buraco na terra ou uma caverna.

Lembrei-me de uma fenda imensa próxima às cachoeiras na “trilha do Pitoco”, onde estivera há duas semanas atrás, em Chapecó (SC).

Num instante me vi explorando o buraco e me arrastando por entre as pedras e as estruturas estreitas da fenda. Avistei uma luz que vinha de cima, parecia uma saída. Subi até lá. Cheguei até a superfície e observei algumas flores e vegetação rasteira. Procurava não deixar meu raciocínio tomar conta da minha imaginação e não forçar as imagens. 

Quando me senti totalmente relaxado uma imagem rápida passou pelo meu campo de visão. Era um lagarto que passava por mim, mas logo comecei a pensar sobre ele dificultando a minha conexão com sua medicina.

De qualquer forma era só um treinamento, ao menos era o que acreditava. Mais tarde fomos instruídos a nos preparar para a “Inipi”. Não imaginava o que me esperava. As mulheres que estavam menstruadas não poderiam participar da tenda do suor, mas ficariam na tenda da Lua (tão importante quanto a Inipi).

Quando chegou o momento de irmos para a tenda, Léo passou as últimas instruções, mas a maioria ou não entendeu ou simplesmente ignorou. Fomos para próximo da fogueira. Ficamos seminus, homens de sungas e mulheres de sutiãs e shorts. Tínhamos que entrar engatinhando, enquanto Léo Artése esperava-nos na porta da tenda, com uma pena de Águia e sálvia depositadas em uma concha para defumação de todos que estavam prestes a entrar. Depois de sermos defumados, tínhamos que dizer a frase Lakota: 

Mytakuie Oyasin – Por todas as nossas relações – e assim se sucedeu até a última pessoa entrar.

A tenda ficou completamente cheia, parecia um absurdo a quantidade de pessoas que se espremiam umas nas outras, formando assim um círculo. 

A impossibilidade de caber mais uma só pessoa, veio a se tornar uma situação viável. Parecíamos sardinhas enlatadas. Momentos após terem sido depositadas as “pedras quentes”, deu-se início ao ritual de purificação com a primeira etapa na direção sul. Léo batia palmas quatro vezes e, assim, um rapaz encarregado das “pedras quentes” as trazia com uma pá retirando-as diretamente da fogueira. 

Era muito engraçado ouví-lo anunciar a sua chegada dizendo rapidamente as frases: Pedra quente! Ou, pedra sagrada! 

E nós tendo que repetir em coro: 

Howwwwwwwww 

As duas primeiras etapas na tenda, ao menos para mim foram suportáveis. Já no meio da terceira etapa o calor estava intolerável, muitas pessoas não suportaram e saíram, outras passaram mal. Eu, embora estivesse suando até debaixo das unhas, mantinha-me firme. 

Léo Artése, em intervalos de tempo, acendia o cachimbo cheio de tabaco e cantava canções nativas na língua Lakota. Pessoas se ofereciam para cantar canções e preces de agradecimento à Mãe Terra e ao Grande Espírito. 

Ofereci uma homenagem aos Nanderu’s (pais trovões ancestrais dos Guaranis). 

Várias canções e preces foram oferecidas. E o calor aumentava, cada vez mais e de forma absurda. Um rapaz começou a ficar sufocado com o vapor deixando-o descontrolado. Léo pediu para ele ir para o fundo da tenda e abaixar a cabeça deixando o rosto rente ao chão. Isso fez com que se acalmasse.

O calor já beirava ao extremo do suportável. Fomos aconselhados a abaixarmos a cabeça ao chão para que pudéssemos respirar de maneira a nos manter controlados e serenos. Mas, para muitos, essa dica só serviu como paliativo. 

Aliviava, mas não era suficiente para quem já tinha se entregado ao “desespero”. Eu, na minha arrogância, achava tudo aquilo um exagero, senão uma fraqueza por parte daquelas pessoas. Por mais insuportável que fosse o calor e o vapor que não nos deixavam respirar de forma adequada, mantinha-me firme e totalmente confiante. 

Na minha presunção, tinha até mesmo vontade de rir da situação, principalmente quando vi um rapaz tentando fazer um pequeno orifício na lona com um pequeno graveto, e enquanto outro cavava um buraco no chão com as próprias unhas, para enfiar o rosto e sentir o frescor da terra já enlameada pelo suor dos nossos corpos.


Estranhamente meu ego assumiu o comando e quis me aproximar das “pedras quentes” depositadas no buraco no centro da tenda. Um rapaz grande e largo que estava à minha frente, não suportando mais o calor, foi para o fundo. 

Aproveitei a oportunidade e fiquei no seu lugar, a dois pés de distância das pedras. O calor ali era inigualável. Percebi que boa parte das pessoas já tinha saído e a tenda estava relativamente espaçosa. O vapor quente que exalava das pedras ardia na pele.

Senti-me altivo e aspirei profundamente o vapor quente. Dei seguidas inaladas profundas acreditando que estava fazendo a coisa certa. Com um ar de vitória em meu semblante olhei para o Léo, na expectativa de que ele aprovasse minha iniciativa e suposta “coragem”. 

Mas, para meu desapontamento, ele simplesmente me orientou para que respirasse de vagar e serenamente. Obedeci-o, mesmo contrariado. Acreditava, como que em um ataque egomaníaco, que estava fazendo a coisa certa, ou que sabia muito bem como proceder. 

A minha vaidade era tanta que ruminei pensamentos de protesto dentro de mim. Mas logo estes desapareceram, dando lugar a um estado angustiante de falta de ar.

Ao inalar profundamente o vapor quente, não percebi que meus brônquios começaram a se atrofiar. O vapor quente entrou diretamente em minhas narinas queimando-as ferozmente e as deixou ressecadas. Foi uma dor horrível. 

Quanto mais fazia força para respirar, tanto mais ardiam meus pulmões e me faltava ar. Comecei a sufocar.

De repente todo meu pseudo-heroísmo desmoronou, e meu ego mais parecia um cão sem dono com o rabo entre as pernas. Comecei a me descontrolar e torcer com o fundo da minha alma para que terminasse a terceira etapa e a porta da tenda se abrisse. 

Mas o tempo parecia interminável, minutos eram horas infinitas. Até que o desespero dominou-me por completo. Gemi como um filho da mãe, gritei, implorei, chorei, mas não tinha lágrimas para escorrerem. Fui para o fundo da tenda e enfiei a cara na terra lamacenta. Era a única coisa que aliviava; porém, o sufoco permanecia.

Quando a porta da tenda foi aberta, com o término da terceira etapa, o alívio foi geral, com um coral de vozes balbuciando um: 

Ahhhhhhhhhh!

Como a etapa seguinte e última da direção leste seria mais curta (e no entanto, muito mais sufocante) resolvi continuar até o final. A abertura da porta restabeleceu a todos, deixando-nos respirar adequadamente.

Mas logo outras “pedras quentes” foram depositadas no buraco ao centro da tenda e a porta foi fechada, dando início ao último ponto cardeal: 

A posição leste!

Um chá de Sálvia foi jogado nas pedras em brasa e o vapor sufocante, juntamente com um terror, foi me descontrolando. Abaixar o rosto no chão já não fazia a menor diferença. O calor que queimava minhas narinas e trancava meus pulmões era tão sufocante que meu desespero alcançou o seu ápice.

Perdi todas as minhas defesas, me entreguei e pedi pelo amor de Deus, de Cristo. Meu coração parecia explodir. Lembro-me de ouvir a voz de uma mulher dizer: “Calma, irmão! Se controle”!

E tudo que eu queria, era que aqueles minutos infernais e infindos terminassem. 

Acreditava que não poderia suportar mais. Foi quando o Léo incitou uma canção (Hino) do Daime e todos o acompanharam em um coral. Enquanto isso, eu gemia e me retraía com a falta de ar e a queimação dentro do peito.

Logo a canção serviu como uma válvula de escape, fazendo com que não concentrasse tanto minha atenção na passagem difícil que estava vivenciando.

Instantes depois, que pareceram infinitos, a porta se abriu. Um ar fresco entra e o alívio se faz presente, juntamente com as gotas de água que o Léo jogava em nós, para nosso deleite.

Finalmente estava acabado, não via a hora de sair de dentro daquele forno de vapor! E, quando estava engatinhando rumo à porta, ainda meio ao sufoco e um tanto desnorteado, disse:

Nossa! Isto é mais difícil que a Ayahuasca!

Na inconsciência das minhas palavras, Léo Artése, juntamente com outras pessoas repetiram em tom de advertência: 

Cuidado, não diga isso!

Realmente, o medo e desespero me fizeram não medir e avaliar o que estava dizendo!

Ao sair da tenda engatinhando e encontrar o ar fresco e límpido da noite, meu estado era de pleno alerta! Nada mais me importava a não ser rastejar como um verme pelo chão. 

Nunca na minha vida senti tanta necessidade de tocar, abraçar e rastejar pela terra. Queria ser um réptil, ou qualquer outro animal rastejante, um inseto, uma minhoca, um verme. 

Nada seria mais importante que ser parte da terra naquele momento. Quis morar dentro dela. Quis comê-la e assim o fiz! Poderia cavar um buraco com minhas mãos e entrar nele se fosse o que tinha de fazer! Como a terra era a única coisa que me importava naquela situação! 

No estado em que me encontrava, ser um verme da terra seria o mais importante!

Rastejei até o morro e fiquei alguns minutos com a cara no chão, ou melhor, na lama. Esperava por minha vez de receber o balde de água fria que era jogado nas pessoas que saíam da Inipi. E, enquanto a vez não chegava, me deliciava com o contato maravilhoso do meu corpo sobre a terra.

Resolvi, me virar de barriga para cima (posição de decúbito dorsal). Com a mente serena e vazia me entreguei à sensação refrescante que a terra proporcionava em todo meu ser. Não tinha pensamentos, eu era todo sensação. 

Estava absorvido num estado peculiar de paz e abandono. Não existia nada a não ser aquele momento, o aqui e agora, um presente contínuo.

De repente algo me tira desse estado. Algo, alguma coisa pressiona meu rosto, mantendo seu peso sobre ele. Não quis abrir os olhos para saber o que seria. 

Mesmo porque, a primeira coisa que me veio à mente foi a imagem de uma pedra que, silenciosamente, teria rolado morro abaixo e delicadamente parado em cima do meu rosto. 

Mas logo percebi a incongruência desse misto de imagem e pensamento, pois a pedra que pesava em cima do meu rosto era extremamente macia e não estava gelada como deveria ser. 

Despreocupadamente abri os olhos e fiquei surpreso!

Uma moça (que eu conhecia) estava de cócoras, sentada com uma das nádegas em cima do meu rosto. Ela olhava para mim, desferindo um sorriso despreocupadamente desencanado. Como que se, depois de ter percebido o que tinha feito, não se importasse ou mesmo não esperasse eu dizer alguma coisa. 

Como não me incomodei e tampouco disse para sair, ela simplesmente deu mais um sorriso vago e levantou-se deitando ao lado.

Nada tinha importância!

Enfim, chegou a minha vez de receber a água fria. Sentei–me na cadeira e uma torrente de água gelada foi jogada por todo meu corpo. O contraste e o choque indolor que recebi foi estupendo, fazendo ativar todos os meus sentidos, deixando-os tão aguçados, em um estado de alerta total. 

O balde de água fria levou embora a absorção em que me encontrava. Os eventos de sensações e as mudanças sensoriais e fisiológicas foram tão abruptas e diametralmente opostas que a minha mente ficou com uma lucidez cristalina. 
Embora nada extravagante, sempre sóbria.

Fomos instruídos para ficarmos próximo da fogueira, e lá ficamos por alguns momentos, observando as chamas crepitantes. Imaginava e sentia o calor das chamas entrando pelo meu plexo solar.

Quando todos estavam relativamente “normalizados” fomos convidados a comer algumas frutas e pão integral.

Quando todos já estavam saciados, Léo tocou o sino para avisar que estaria na hora da concentração com a Ayahuasca...

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