Quando esse sonho começou, eu estava sentado no chão de um morro, com as pernas cruzadas.
Reconheci o lugar onde me encontrava. Tratava-se do bairro onde morava.
Estranhamente, o lugar se apresentava como na época de minha infância. Estava na mata, próximo ao fundo de algumas indústrias que lá existe.
Quando moleque costumava caçar preá e pássaros nesse mesmo local.A única coisa que não correspondia ao ambiente, era o morro onde estava sentado que nunca existiu de fato.
Neste morro, havia várias moitas de uma espécie de capim que cresciam separadamente e organizadas. Dava a ideia de terem sido plantadas propositadamente.Entre uma moita e outra, encontravam-se muitos buracos no chão cheios de água, parecia ter chovido.
Fiquei ali observando as poças, quando de repente, avistei um exótico pássaro sair voando de uma das moitas até pousar em uma árvore próxima.Lembrava-me a um Anu-marrom, mas nas penas do seu rabo tinham desenhos em forma de círculo de cor branco.
De longe pareciam pequenos olhinhos redondos.O pássaro bateu asas as e voltou a voar. Enquanto ele voava, percebi que a cena que observava ficou incongruente.
Parecia uma cena de filme preto e branco, em que o pássaro voava diante de um cenário cinematográfico. Achei tão absurdo que não quis me prender naquilo.Voltei minha atenção às moitas e poças d’águas, olhando de relance o ambiente do sonho.
Reparava nos mínimos detalhes do matagal, nos caminhos que diversas vezes percorri quando criança, cada trilha e todo ponto de referência que tinha do lugar.Então voltei a ver o pássaro exótico, ele voava em minha direção e acabou pousando numa moita muito próxima a mim. Levantei-me e fiquei muito perto dele, quase podia tocá-lo.
Resolvi pegá-lo antes que fugisse. Agarrei-o com minhas mãos e ele tentou escapar. Não queria machucá-lo, mas, também, não queria que me bicasse. Quando consegui dominá-lo por completo, trouxe-o para próximo do meu peito para observá-lo melhor. Ele estava nervoso. Segurava-o com as duas mãos.
Fixei minha atenção até ficar absorvido por ele. Desse momento em diante, algo estranho aconteceu. O pássaro começou a se desintegrar diante dos meus olhos. Passou assumir, ao mesmo tempo, em que aparecia uma espécie de luz branca, muito tênue,algo semelhante a uma neblina quase luminosa.Foi quando testemunhei uma metamorfose muito interessante.
A ave se transformou num pequeno gato, negro como a noite. Seus olhos eram de um azul-anil profundo,contrastando maravilhosamente com seus pelos pretos.Ele olhava para mim e rangia os dentes e se debatia para escapar.
Percebi que se não segurasse com firmeza ele me morderia e arranharia, então apertei o seu pescoço de forma que ele não pudesse me ferir. O gato percebendo a sua situação começou a miar.Nisso, minha atenção novamente se prende nos detalhes de sua forma. Eu estava admirado com sua beleza peculiar.
Nesse ínterim, todo o processo de desintegração volta a acontecer, fiquei pasmo observando e constatei que, desta vez, a metamorfose aconteceu juntamente com a mudança do lugar onde me encontrava. Enquanto via o gato negro se transformar em outro gato, só que dessa vez, todo branco como a neve e de olhos negros como uma pedra de ônix, apareci na avenida a uns quinhentos metros do local. A rua era de terra do mesmo jeito que era há muitos anos atrás.
Voltei a olhar para o gato que, mostrava os seus dentes para mim e, entendi que ele me transportou enquanto se desintegrara.
Continuei olhando fixo para ele. Ao ver que não conseguia escapar, o gato novamente foi se desintegrando em meio à luz nevoada,enquanto o ambiente ao meu redor foi sumindo até ficar completamente escuro.
Quando tudo se formou novamente, ainda estava na mesma rua, contudo a alguns metros adiante, em frente a um bar de uma amiga de minha mãe.
Percebi que o gato não estava mais em minhas mãos. No seu lugar eu segurava uma vara com uma cordinha com uma espécie de laço na ponta, no qual eu prendia uma cobra negra que se contorcia em ondas pelo chão. O gato tinha se transformado em serpente.
Ao ficar observando acena, onde a víbora tentava escapar inutilmente do laço, tive uma certeza instantânea de que já tinha vivenciado aquela situação. Então toda uma lembrança de infância foi liberada da minha memória durante o sonho.Quando tinha oito anos de idade, meus dois irmãos mais velhos e eu fomos para um morro nos fundos de uma indústria próximo à mata.
Íamos pegar capim de umas moitas para dar de comer aos coelhos. Um dos meus irmãos percebeu um brilho estranho numa das moitas e constatou que lá, tinha uma cobra negra com nuances prateados toda enrolada.
Começamos a bater na moita para ele fugir, mas ela continuava imóvel. Então ao longe, vindo pela trilha da mata,avistamos nosso irmão mais velho que acenava para nós. Acenamos de volta e gritamos para que ele viesse logo. Mas, assim que ele fez a curva da trilha sumiu de vista, não apareceu.
Meus irmãos acharam estranha a demora e fomos ao seu encontro. Ao chegarmos à trilha, avistamos nosso irmão voltando. Saímos correndo atrás dele e quando chegamos, ele mostrava sorridente uma cobra Jararaca que segurava pelo rabo.
A cobra não estava morta e, sim tonta, por causa da pancada que levou.Meu irmão relatou que ao virar a curva da trilha, e ao pisar numa moita a cobra tinha lhe dado um bote, mas por sorte mordeu o seu relógio de pulso. Nisso, ele bateu com a mão nela, ela ficou tonta e ele segurou-a pelo rabo.
Meu outro irmão perguntou animado se ele não estava a fim de caçar outra que tínhamos encontrado. Com sua confirmação o mesmo irmão que perguntou se adiantou logo de fazer uma espécie de laço numa vara longa que ao puxar uma extremidade da corda do laço se fechava.
Voltamos todos para o lugar onde estava a cobra e começamos a cercar o lugar. Depois tacamos pneus velhos na moita, pedras e paus, mas nada da cobra sair.
Então resolvemos atear fogo na mata. Assim que o fogaréu tomou conta, meu irmão que preparara o laço gritou que a cobra estava fugindo. Ainda me lembro de tê-la visto cair morro abaixo com medo das chamas. Meu irmão mais velho desceu rapidamente pegou o laço e começou a atiçá-la para ela armar o bote, quando ela o fez, ele a laçou enforcando-a enquanto a levantava para cima.
A cobra chegou soltar excrementos por causa do apertão no pescoço.Em meio aos acontecimentos, lembro-me de ter tido umas percepções em especial, acreditara que a cobra mudara de tom de cor por três vezes.
Na primeira vez, ela se apresentava de cor negra com nuances prateados, na segunda vez, quando a vi fugindo do fogo, ela se apresentava com uma cor escura e fosca, quase um cinza chumbo. Na terceira,quando meu irmão a laçou levantando-a para cima, ela ficou quase esverdeada. Um verde musgo muito escuro.
Não sei por que essas mudanças de cores me chamaram tanta a atenção, pois não sabia, ao certo, se aquilo realmente acontecera, ouse tinha sido fruto da minha imaginação fértil.
Meu irmão levou a cobra viva no laço e parando em frente ao bar da amiga de minha mãe, colocou a serpente no chão segurando firme para que ela não fugisse.
Enquanto isso, fiquei observando admirado o ondular perfeito que ela fazia ao tentar se livrar do laço.
Nesse instante, voltei à cena anterior do sonho e, era eu, quem a estava segurando-a no chão com o laço. Entendi que estava vendo e vivendo a memória da cena no sonho.

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