
Data: 24/01/07 – Quarta feira
Horário: 05:30 – madrugada
Acordei de madrugada e não consegui mais dormir. Rolava de um lado para outro da cama e nenhum sinal do sono voltar. Fiquei nesse estado por horas, até que comecei a sentir um cansaço fisiológico. Quando comecei cair no sono, uma sensação muito peculiar me acordou abruptamente. Senti uma espécie de eletricidade, algo indefinível, tinir em meu cérebro. Eu não ouvi o som, mas antes o sentia extraordinariamente intenso dentro da minha caixa craniana.
Acordei desperto!
Fiquei um tanto assustado, principalmente por nunca ter sentido nada parecido. Era como se uma corrente elétrica indolor tivesse sido descarregada em meu cérebro e fluísse acompanhada de uma sensação absurda e parecida com uma buzina de carro. O mais estranho era não ouvir o som, mas a sensação do mesmo. Um minuto depois, estava adormecido.
Mas antes de cair no mar inconsciente do sono, novamente a sensação estranha explode impiedosamente em meu crânio. Embora fosse algo indolor era meio angustiante – talvez por ser desconhecido - e muito intenso. Parecia-me estar dirigindo um carro em uma velocidade absurdamente fora do normal.
Novamente acordei assustado. Respirei fundo e comecei a sentir meu corpo relaxar.
Uma calma e tranqüilidade se apossaram de mim. O que me lembro, depois disso, foi de adormecer calmamente. Um sono leve e morno.
Em seguida senti que estava despertando. Minha consciência estava serena, mas meu corpo parecia imóvel, não tinha força para movê-lo e muito menos para falar.
Constatei que tinha acabado de entrar na “paralisia temporária”. Como já estava acostumado com essa sensação fiquei calmo e procurei observar o ambiente do meu quarto. Estava muito escuro e só conseguia definir alguns contornos da janela e a porta de saída. Quis projetar meu psicossoma, mas percebi que seria inútil forçar uma saída. Comecei a pensar claramente no que deveria fazer e lembrei automaticamente de apenas imaginar a projeção.
Imaginei-me projetado em pé na porta do quarto e de frente para mim, porém não foi o suficiente para me transportar.
Tinha a impressão de que me faltava senso imaginativo ou mesmo energia de vontade para tanto. Continuei calmo, e então algo em mim despertou.
Primeiro imaginei a sensação que teria ao me ver do ângulo da porta, depois a própria sensação me invadiu e automaticamente minha consciência passou para a posição para a qual imaginava me projetar. Logo uma sensação de leveza me dominou e estava flutuando na posição de decúbito dorsal há poucos metros do chão.
A semi-escuridão continuava. Por algum motivo pensei na palavra “cura” e levei minha mão à altura da região do meu corpo onde seria o baço. Instantaneamente comecei a ouvir uma canção muito afinada e leve, com um tom aveludado e de um timbre feminino, vinda de não sei onde. A voz feminina era linda, fluía harmonicamente e podia acompanhar lucidamente seu desdobrar.
Os versos eram simples, mas bem articulados me passando uma sensação de bem-estar. A letra falava literalmente de cura. Fiquei surpreso quando a voz usou a palavra “Jesus” e logo em seguida “DEUS”, relacionando-os com a cura. A canção não me parecia alienante, muito menos de alguma instituição religiosa, no entanto soava como se fosse. Isso me intrigou, senti vontade de dar risada, talvez porque não esperasse isso. Em seguida apareci flutuando alguns metros acima da laje na posição de decúbito dorsal. Avistei o céu que estava lindo e estrelado. Mas logo um receio tomou conta de mim. Sentia que podia começar a flutuar e boiar pelo céu afora e talvez me perder no infinito.
Um medo irracional começou a se apoderar de mim. Avistava as estrelas a uma distância inimaginável e sentia que, se continuasse a observar o céu, seria atraído pelo universo. Senti dentro de mim todas as etapas que percorreria e acreditei que não suportaria ver-me partindo e sumindo na distância incomensurável. Era um medo psicológico. Então comecei a dizer para mim mesmo, num gesto de auto sugestão: Quero luz, desejo luz, quero estar sóbrio e sereno. Depois destas palavras minha atenção foi atraída para a terra.
Olhei para o ambiente onde estava, via um bairro parecido com o meu, mas não podia afirmar com certeza se era o mesmo. Algumas coisas estavam incongruentes, lembravam-me ruas ou becos de outros bairros, mas não quis me apegar aos detalhes. Voei e planei em uma laje qualquer e fiquei observando as ruas que estavam semi-escuras, iluminadas apenas por algumas lâmpadas de postes ainda acesas. Havia um movimento estranho nos becos e ruas mais escuras. Fiquei alerta. Tive a impressão de que alguma coisa estava para acontecer, então saltei para outra laje mais alta. Meu corpo estava extremamente leve e flexível. Pousei levemente na laje alta e fiquei agachado.
Observava as coisas e os movimentos no bairro como se fosse um cão de guarda, cujo silêncio profundo parecia afetar meus movimentos que eram cada vez mais ágeis. Andava como um animal, sobre os telhados, e fui ficando cada vez mais obcecado com essa postura. Sentia-me como um animal noturno, misto de lobo e felino, encarregado de vigiar o bairro à noite.
Parei de súbito! Avistei um rapaz que andava de um lado para o outro em atitude suspeita. Logo intuí que ele queria roubar alguma casa no bairro, então segui o seu movimento, até ele sumir por um beco. Continuei seguindo pelo ângulo privilegiado do telhado. Então pulei para outra laje. Assim que caí nela, percebi que meus sentidos estavam diferentes, não pensava como um ser humano, mas sim como um animal na espreita de uma caça. Num instante sentia-me, por completo, como um animal. Andava agachado silenciosamente como um predador pronto para dar o bote. Olhei para meus braços e eles estavam peludos. Eram pêlos densos e felpudos, escuros como as trevas.
Ocorreu-me um pensamento humano de que tinha me transformado em um lobo negro, mas logo após esse pensamento comecei a rugir como um felino.
Nesse ínterim, minha consciência desassociou-se do meu atual estado de ser, mostrando-me a imagem daquilo que eu era, ou no que tinha me transformado. Do alto, via um animal exótico e ao mesmo tempo horripilante deslizando por entre telhados e lajes.
A visão era tão fascinante quanto surreal. O animal era um misto de canino com felino. O seu corpo e pêlo eram de lobo.Contudo, seus movimentos e seus olhos, e, também, orelhas, bigode, focinho, rugido eram de uma pantera.
Minha consciência testemunhava os atos do estranho animal (que era eu) na intenção de compreendê-lo, entretanto, uma parte de mim insistia em julgá-lo ou condená-lo por ser o que era.
Logo, a parte de minha consciência que argumentava como um juiz subjugou a parte que apenas observava sem julgamentos e tomou as rédeas da situação.
Essa parte sentenciou os atos do animal julgando-o como sendo prisioneiro de sua própria ignorância irracional. Era uma besta e como tal estava obstruído pelo instinto, pela condição natural de sua espécie. Ao mesmo tempo em que, algo em mim dizia que essa parte acusadora era a parte de mim que não aceitava, que vivia em conflito e que estava apta a lutar contra tudo, nunca aceitar, nunca testemunhar, sempre condenar.
Depois de todas essas considerações “psicológicas”, me vi novamente na laje, como animal. Não tinha raciocínio lógico e nem ponderações, era puro estado de alerta e intuição.
Segui o rapaz em atitude suspeita e vi que ele queria entrar em uma casa, pulei na laje da mesma casa e fiquei na espreita. Como ele demorou a aparecer, pulei para a laje da casa vizinha para ter uma visão melhor. No pular de uma laje à outra, senti que meu corpo ao flutuar era novamente de humano e só quando pousava na laje é que voltava a me transformar no animal e agir como ele. Comecei a controlar naturalmente esses dois estados de ser. Olhei para o quintal da casa em que o suposto "ladrão" apareceria e vi que o portão do quintal estava aberto e os dois cães que lá se encontravam estavam saindo para a rua. Fiquei apreensivo, pois assim facilitaria as coisas para ele. Flutuei alguns metros acima da laje e me transformei em humano novamente.
Ponderei se no estado psicossomático em que me encontrava poderia afetar a matéria densa ou a massa de um corpo. Decidi fazer um teste. Voei para o outro lado da laje e avistei um beco, onde se encontravam dois jovens que possivelmente também pretendiam roubar alguma casa. Flutuei e pairei um pouco acima de um deles. Ele estava de costas para mim, então passei a minha mão com força no seu pescoço. Senti minha mão transpassar. Tentei de novo e tive a mesma sensação.
Pensei em desistir, mas percebi que o jovem tinha sentido algo, então me lancei contra ele. Como um animal feroz, passei a dar patadas na altura de sua nuca.
Ele começou a ficar desnorteado e assustado. O outro jovem olhava para ele receoso e perguntava o que estava acontecendo. Ele agia como se estivesse tendo um surto psicótico. Em seguida avancei nas suas costas, cravei minhas unhas nele e mordi a parte posterior da sua cabeça. Senti o seu medo e horror.
Volitei para cima da laje novamente e os dois fugiram assustados.
Continuei a andar agilmente pelo telhado, era novamente o animal híbrido. Fiquei na espreita do outro rapaz, mas ele não aparecia. Uma sonolência começa a se apresentar e aos poucos querendo me dominar. Soltei o meu corpo e este flutuou levemente e pairou no céu. Estava, novamente, na minha forma humana.
Desejei voltar ao corpo físico, cheguei mesmo a visualizar a acoplagem e senti meu psicossoma se fundindo com ele. Num instante estava desperto, ou pensava ter acordado. Encontrava-me na rua, estava escuro, minha ex-companheira estava comigo.
Estranhamente só conseguia enxergar de forma irregular, ou seja, só enxergava com a parte esquerda do rosto. Sempre que virava para o lado direito, era como se uma parede escura obstruísse meu campo de visão.
Algumas coisas ficaram incoerentes. De início avistei uma espécie de luva em formato de coelho negro do lado direito do meu rosto. Depois avistava apenas uma parede escura. Eu e a minha ex-companheira começamos a andar pela rua e a conversar. De repente ouvi uma voz de menino que falava com minha companheira. Podia acompanhá-lo através de sua conversa, mas não podia vê-lo. Ele andava sempre do lado direito, o lado em que a parede escura obstruía a minha visão. Ele disse à minha companheira que estava guardando alguns objetos numa banca de jornal naquela hora da madrugada, por recear algo, ou alguma coisa estranha que estava acontecendo nas redondezas. Minha ex-companheira perguntou para ele do que se tratava essa “coisa estranha”. Ele respondeu alegremente num tom de ironia sagaz: “Ah...Tudo isso é devido ao guarda... O lobo mau...” E saiu rindo.
Senti automaticamente que ele estava se referindo a mim. Contudo, me sentia estranhamente sonolento e as imagens pareciam ficar "borradas" e indefinidas, algo incoerente. Entretanto, tive tempo de olhar perplexo para minha companheira e dizer: Olha, está vendo... foi à mim que ele se referiu, que estranho, não?!
Depois de dizer essas palavras, acordei.
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